Guia prático do profissional de RH acerca do empregado hipersuficiente
- RH Legal
- há 4 dias
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Leonardo da Costa Carvalho
A Reforma Trabalhista de 2017 introduziu uma importante inovação no ordenamento jurídico brasileiro: a figura do empregado hipersuficiente, prevista no parágrafo único do artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Trata-se de um trabalhador com maior grau de autonomia contratual, apto a firmar acordos individuais que, em determinadas matérias, têm força equivalente à das convenções coletivas.
Na prática, isso significa que um grupo muito restrito de empregados — aqueles com diploma de curso superior e remuneração mensal igual ou superior a duas vezes o teto do INSS — pode negociar diretamente cláusulas contratuais que, para os demais trabalhadores, estariam sujeitas à negociação coletiva. Estudos da PNAD Contínua do IBGE mostram que menos de 1% dos trabalhadores brasileiros se enquadram nesses critérios.
A figura do hipersuficiente, portanto, foi pensada para um grupo seleto de profissionais altamente qualificados e bem remunerados — como executivos, diretores, gerentes de alto escalão e especialistas técnicos com relevante poder de negociação. Por outro lado, litígios trabalhistas com esse nível de empregados costumam gerar um grande impacto sob o ponto de vista de provisões contábeis, financeiros na hipótese de condenação, bem como administrativos, sob o ponto de vista organizacional.
Este artigo propõe orientar os profissionais de Recursos Humanos, com um guia claro e objetivo para a correta identificação, tratamento e gestão de empregados hipersuficientes dentro do ambiente corporativo.
Quanto a questão legal, a CLT estabelece dois requisitos cumulativos para a caracterização da hipersuficiência: formação em nível superior e salário mensal equivalente a pelo menos o dobro do teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (atualmente no importe de R$ 16.314,82).
Na aplicação prática da norma, os tribunais têm reconhecido a validade de cláusulas contratuais firmadas por empregados hipersuficientes, desde que respeitados os direitos indisponíveis estabelecidos na CLT. Além disso, se faz necessário sempre observar os ajustes no teto dos benefícios do INSS, de maneira que não haja uma alegação de desenquadramento.
A seguir, veja-se alguns casos reais e recorrentes de negociação direta com relação ao empregado hipersuficiente, tratando-se meramente de rol exemplificativo: (a) pactuação de banco de horas e jornada flexível, com a possibilidade de firmar jornada especiais para profissionais com alta especialização e que estejam em locais ermos e com difícil acesso, embarcados, para acomodar as condições específicas da atividade (TRT-1ª R. – RO 0100393-08.2016.5.01.0522 – Rel. Luiz Alfredo Mafra Lino – DJe 18.10.2017 e TST AIRR 1000458-83.2013.5.02.0318 – Ministro Douglas Alencar Rodrigues – DJe 16.12.2015); (b) reconhecimento contratual expresso da condição do cargo de confiança, para que não paire dúvidas e gere maior segurança jurídica, evitando-se alegação de pagamento de horas extras e adicionais noturnos (TRT-9 – RO: 00950201467109005 PR 00950-2014-671-09-00-5, Rel. SUELI GIL EL RAFIHI, j. em 26.10.2016, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT em 22.11.2016 e TST: 00000397620225090122, Rel. Douglas Alencar Rodrigues, 5ª Turma. Data de Publicação: 23.08.2024); (c) participação nos lucros e resultados (PLR) individualizada, com a possibilidade de negociação direta, sem a necessidade de intermediação sindical (TRT-10ª R. – ROT 0001098-15.2020.5.10.0002 – Rel. Ricardo Alencar Machado – DJe 02.05.2022); (d) cláusulas de não-concorrência, não-aliciamento e não-depreciação com multas, especialmente para evitar mudanças com concorrentes diretos ou de pessoas que tenham alta exposição na mídia, após a dispensa (TST – RR 363-05.2011.5.04.0021 – 1.ª T. – Rel. Des. Conv. Marcelo Lamego Pertence – DJe 02.06.2017); (e) estabelecimento de cláusula de arbitragem para a discussão de litígios; (f) acordo extrajudicial com quitação plena da relação jurídica e não apenas para os títulos trabalhistas estabelecidos entre as partes; (g) bônus de contratação e a sua devolução na hipótese do não cumprimento das cláusulas estabelecidas entre as partes; e (h) outorga de Stock Options, com caráter mercantil e maior segurança jurídica quanto a alegação de vencimentos antecipados.
Apesar da aplicação prática crescente do conceito de empregado hipersuficiente, o tema ainda é objeto de debate no meio jurídico, especialmente quanto à sua compatibilidade com os princípios constitucionais do Direito do Trabalho. As principais críticas giram em torno de uma possível afronta ao princípio da proteção ao trabalhador e ao princípio da indisponibilidade de direitos, ambos consagrados, de forma expressa ou implícita, na Constituição Federal.
Há quem sustente que a norma contida no parágrafo único do art. 444 da CLT estabelece uma presunção de paridade entre empregado e empregador que não condiz com a realidade do mercado de trabalho brasileiro. A mera posse de diploma de nível superior e a percepção de salário elevado não garantiriam, por si sós, a ausência de subordinação, dependência econômica e vulnerabilidade negocial.
Embora o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ainda não tenha firmado jurisprudência pacificada sobre o tema, decisões de Tribunais Regionais têm oscilado entre reconhecer e limitar a aplicação da norma.
Diante disso, recomenda-se aos profissionais de RH e empregadores que tratem o instituto com cautela e adotem medidas preventivas, respeitando os princípios constitucionais e os direitos indisponíveis dos trabalhadores, mesmo nos casos de hipersuficiência.
Como conclusão, tem-se que o empregado hipersuficiente representa um novo paradigma nas relações trabalhistas. Ao reconhecer a autonomia de determinados profissionais para negociar diretamente com seus empregadores, a legislação também impõe ao RH um papel ainda mais estratégico e técnico.
Com o domínio do conceito, conhecimento prático e cuidado jurídico, os profissionais de Recursos Humanos podem aplicar corretamente essa figura e transformar a flexibilidade contratual em um diferencial competitivo — sem abrir mão da segurança e do respeito aos direitos fundamentais do trabalho. **Artigo escrito por Leonardo da Costa Carvalho Advogado especilalista em Direito do Trabalho e Relações de Emprego. Sócio do escritório BVA .
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