Felipe Ayres*
Sumário: Introdução. A gestão de conflitos como competência de liderança. O líder e o RH como administradores de conflitos. Conclusão. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
O objeto deste artigo é propor uma reflexão sobre as competências necessárias às lideranças organizacionais na administração de conflitos sob o aspecto comportamental, evidenciando a forma mais adequada para que as lideranças atuem na resolução destes e avaliando como os aportes dos conceitos de administração de pessoas e de liderança mais recentes podem contribuir para essa reflexão.
Inicialmente, é preciso observar a legitimidade e a legalidade de a liderança atrair a adesão de todos em prol de um diálogo eficiente que reforce a capacidade coletiva de identificar crises decorrentes de conflitos e encarar o fato como uma oportunidade para alterar comportamentos em busca de resultados favoráveis.
Vivemos imersos em contextos profissionais conceituados pelo já tão popularizado acrônimo VUCA (volátil, incerto, complexo, ambíguo). Demais disso, o ambiente profissional está cada vez mais diversificado, em termos de perfis profissionais e geracionais e, mais recentemente, há o agravamento dessa volatilidade com a pandemia instalada, que provoca diariamente transformações sobre a maneira com a qual os profissionais têm se relacionado nas organizações.
A tela do computador, portanto, nunca foi tão presente e impessoal. Assim, estamos diante da formação de uma série de conflitos, os quais, antes, poderiam ser assintomáticos, mas que agora estão em ebulição. Estamos vivenciando um cenário de profundas transformações relacionais, quiçá culturais, que evidenciam, de forma cada vez mais urgente, a necessidade de se mergulhar na reflexão sobre a contínua e necessária prática da mediação de conflitos internos nas organizações.
O momento é delicado e envolve muito mais do que este artigo se propõe a investigar, no entanto, o mesmo se resume em apurar o que se espera de lideranças organizacionais e até mesmo do RH quando se assomam conflitos organizacionais, já que é sabido que todas as formas de organização da sociedade, em todo o tempo, inclusive as organizações empresariais, estão fadadas a experimentar conflitos diários que não são, necessariamente, disfuncionais, mas são, simplesmente, parte do cotidiano.
Sempre há, porém, o momento em que os conflitos diários deixam de ser somente o desencontro saudável de ideias e começam a se transformar em conflitos agravados por hostilidade e desrespeito. O problema para as organizações decorre da ausência de um modelo de gestão e de controle de conflitos próprio para este cenário, ausência esta que pode transformar pequenos desentendimentos em conflitos destrutivos, com reflexos negativos nos resultados dos negócios e na inviabilidade da gestão de pessoas.
Aos líderes das organizações cabe internalizar como essencial e necessária a habilidade de administrar conflitos, seja sob os aspectos comportamentais dos atores envolvidos, seja na busca da mais adequada resolução possível para o conflito experimentado.
A GESTÃO DE CONFLITOS COMO COMPETÊNCIA DE LIDERANÇA
Neste artigo, partimos do princípio de que conflitos organizacionais podem ser encarados como oportunidades para o desenvolvimento organizacional e profissional, que a ocorrência e a gestão destes conflitos podem ser capazes de aperfeiçoar, por exemplo, comportamentos competitivos e que a boa gestão de conflitos também pode trazer para as empresas a oportunidade de aprimorar as relações internas e, desta forma, cultivar ambientes propícios à inovação. Por outro lado, os mesmos conflitos, quando malconduzidos, apresentam-se sob outro prisma, como fontes inesgotáveis de problemas.
Quando isto acontece, um dos primeiros questionamentos que estamos acostumados a ver se manifestar no corpo executivo, dentro do contexto organizacional, é sobre quem recai o papel de administrar conflitos: cabe à liderança ou ao departamento de recursos humanos? É comum ao RH das empresas ser envolvido em situações conflituosas, já muito agravadas, como o solucionador de problemas ou o apaziguador de contextos. No entanto, para que possamos identificar a quem devemos atribuir esta competência sobre a gestão de conflitos, é preciso se aprofundar no conceito de competências requeridas em lideranças organizacionais.
A utilização do termo “Competência” no campo da administração de pessoas traz abordagens modernas que associam a competência no ambiente corporativo à conhecimentos, habilidades e atitudes que são essenciais ao desempenho das funções atribuídas e que também devem ser observadas de forma conjunta com as ações individuais, sendo interpretadas como fonte de atribuições inerentes às ocupações profissionais, independentemente de qual nível hierárquico esteja sendo desempenhado na organização.
Neste sentido, mais acertada é a noção de que, no tocante ao ambiente corporativo, a competência não pode ser compreendida de forma separada da ação, ou seja, as competências são, também, combinações coesas de habilidades expressas pelo desempenho profissional, dentro de determinado contexto, o qual deve estar orientado pela estratégia ou pela cultura organizacional, e que deve ser levado em consideração. Diante disso, é possível compreender que o desempenho de qualquer atividade ou ação dentro de uma organização está expressamente atrelada à manifestação da competência do indivíduo durante sua trajetória profissional, e no contexto em que está inserido, e que estes fatores servem como uma forte ligação entre as condutas individuais e o atingimento dos objetivos estratégicos da empresa.
Autores que tratam sobre competências organizacionais as definem normalmente em três distintas categorias de competências, sendo elas (i) as competências técnicas ou específicas (relacionadas a cargos específicos), (ii) as competências organizacionais e, por fim (iii) as competências de liderança (ou gerenciais). Para fins deste artigo, cabe-nos o foco especial sobre estas últimas. As competências de liderança são aquelas voltadas para a análise dos comportamentos associados à gestão de pessoas e aos comportamentos requeridos e alinhados à estratégia organizacional daqueles que exercem funções de supervisão ou de direção.
Dentro do contexto organizacional, de acordo com Lawler, Ledford & Chang (1993), em 1990, mais de 50% das empresas utilizavam o modelo de gestão por competências como ferramenta de gestão de desempenho e de apuração de performance de seus colaboradores, sendo uma ferramenta insubstituível para diferenciar atingimento de objetivos estratégicos e, mais importante para este artigo, avaliar ocupações em cargos ou capacidades profissionais e de liderança.
Para além disto, nos dias de hoje, observando o ponto de vista da estratégia organizacional nas empresas, o modelo de gestão por competências ainda é visto como uma ferramenta capaz de se comportar como uma ponte entre a estratégia organizacional e o que é necessário aos colaboradores, inclusive os lideres, para que atuem como facilitadores desta estratégia. Por isso, quando uma empresa decide por definir as competências esperadas de seus colaboradores e de seus líderes, é necessário ponderar que o processo deve ter como um dos seus focos a multiplicação de sua visão estratégica, de seu propósito e de sua missão, mas não deve se limitar a isso.
É preciso que, em paralelo, suas metas e objetivos de médio e de longo prazo também sejam amplamente difundidos na organização, inclusive por meio de competências alinhadas a esses objetivos. Isto porque é a partir desta construção que será possível evidenciar na força de trabalho critérios mais objetivos para mensuração de performance, individual ou coletiva, e para avaliar a aderência dos objetivos das organizações aos seus colaboradores, bem como para identificar quais os comportamentos e competências devem ser exigidas para cada cargo ou função, inclusive as de liderança, para que estes estejam aptos a contribuir para com a estratégia organizacional.
Temos observado algumas empresas trabalhando em transições do modelo tradicional de gestão por competências para a apuração mais simples de comportamentos organizacionais, com o objetivo de simplificar este método a fim de garantir maior aderência e facilitar contextos de transformação cultural. Porém, o sucesso dessa metodologia, novamente, depende da estratégia organizacional definida e do momento pelo qual passa a gestão de pessoas da organização.
Estas informações são relevantes para responder sobre quem recai o papel sobre a administração e sobre a gestão de conflitos na organização, uma vez que essas respostas devem estar alinhadas ao que as organizações esperam de seu corpo executivo e de sua área de atuação, quanto às competências profissionais ligadas à estratégia de pessoas.
Assim, definido o que são competências gerenciais e para que serve um modelo de competências, resta entender o que uma organização espera do seu corpo executivo sobre as suas competências gerenciais quando surge um determinado conflito. Para isto, é necessário repensar se estas são competências esperadas para a liderança, dentro do modelo organizacional e de gestão de pessoas e se estão alinhadas como os aportes dos conceitos de administração de pessoas e de liderança mais recentes e, em caso positivo, se estas habilidades foram definidas e diretamente relacionadas com o que se espera sobre acomodar interesses, pretensões e direitos do outro indivíduo, principalmente em cargo de gestão. Esta reflexão é essencial, porque estes atributos, elencados acima, nada mais são do que, em essência, a competência de administrar/gerenciar os conflitos.
O LÍDER E O RH COMO ADMINISTRADORES DE CONFLITOS
Temos visto que as empresas tendem a observar a habilidade de administrar conflitos como atribuições essenciais para os seus líderes, dentro dos seus modelos de gestão e de liderança, principalmente para que estes conflitos, que devem ser ordinários, possam cumprir seu propósito de aprimorar as relações interpessoais, administrar e solucionar problemas profissionais e, até mesmo, facilitar o caminho da organização para a inovação. No entanto, administrar conflitos não é uma tarefa fácil, até mesmo para um líder com muita experiência.
Saber gerir e manter uma equipe produtiva após um conflito exige a observação atenta de cada colaborador envolvido e profunda dedicação e comprometimento contínuo para solucionar possíveis conflitos derivados e para administrar interesses individuais e coletivos.
O cenário volátil, diverso e incerto somado aos conflitos de valores geracionais e à pandemia que estamos vivenciando têm se mostrado cada vez mais um território fértil para o surgimento de novos conflitos. Para estes casos, o apoio gerencial se mostra como um agente de transformação, com o poder de agir como um dos fatores mais imprescindíveis nos conflitos que é administrar ou gerir estes dilemas assim que surgem, afinal o contexto da liderança está diariamente ligado às motivações, ao engajamento e às percepções dos indivíduos gerenciados e ao apoio e à união de sua equipe de trabalho em prol dos resultados esperados, performance corporativa e ao atingimento do propósito organizacional.
Se por um lado fica evidente que o gestor é um dos principais atores na gestão de conflitos, por outro lado, é essencial pontuar também sobre o papel do RH neste contexto. De acordo com 56% dos participantes de uma pesquisa conduzida pelo Grupo de Estudos da ABRH-SP sobre Recursos Humanos e a Gestão de Conflitos Organizacionais em 2016, o RH tem uma importância significativa na mediação e resolução de conflitos. Isto porque, de acordo com esta pesquisa, para que seja possível administrar de forma assertiva os conflitos internos das organizações dois fatores devem ser considerados: o tempo de envolvimento do RH e o tempo de dedicação dos gestores ao conflito em questão. Os comentários da pesquisa indicam, inclusive, que quando o RH está envolvido na resolução destes conflitos, é possível apurar que houve, nestes contextos a aplicação de ferramentas de gestão de conflitos mais assertivas.
Diante disto, a ideia essencial de modelo de competências que informa que uma empresa pode se tornar mais competitiva no momento em que desenvolve um arcabouço de habilidades que permitem uma adequada gestão de pessoas e, por conseguinte, diagnosticar que a competência de liderança para administração de conflitos pode incentivar e facilitar o enfoque sistêmico e estratégico sobre a organização para o atingimento dos melhores resultados é verdadeira, porém, cabe ressaltar que este aspecto se potencializa ainda mais quando houver uma atuação conjunta ao RH.
Cabe ao RH, neste contexto, garantir a capacitação e o desenvolvimento de sua liderança em seus programas de desenvolvimento de líderes, não somente de administração de conflitos, mas também de outras competências que também se mostram eficazes para o desenvolvimento de um bom líder e que influenciam no contexto da resolução de conflitos, dentre as quais (i) a escuta ativa, sendo a base para qualquer comunicação e relação interpessoal; (ii) a argumentação, porque apresentar bons argumentos é essencial para que outros pontos de vista possam aflorar nas discussões; (iii) a persuasão, visto que é importante ser persuasivo, de forma imparcial, para que o convencimento dos envolvidos na solução apresentada e, por fim; (iv) a comunicação não violenta, que é um processo de comunicação desenvolvido por Marshall Bertram Rosenberg, que se apoia no fortalecimento de relações com enfoque em comunicação eficaz e empática.
Este papel da capacitação de líderes neste cenário é central, porque os resultados serão diretamente proporcionais aos investimentos na conscientização da importância da gestão de conflitos internos e capacitação de seus colaboradores e de seus líderes para que estes estejam aptos a gerir situações eventuais de conflitos que se apresentem dentro da organização.
Nesta mesma linha, de modo geral, cabe à organização e o comprometimento da alta gestão, por meio de seu RH, comunicar-se de forma clara e assertiva sobre os valores e os objetivos esperados de seus líderes, a fim de fornecerem a estes a segurança institucional necessária para gerir conflitos internos. Invariavelmente, diante do surgimento de conflitos, quando a empresa não é clara sobre seus valores e sobre o futuro da sua estratégia organizacional, surge um vazio que pode levar a liderança à inação e evidenciar fragilidades da liderança. A gestão de conflitos pode ser uma competência determinante na trajetória de gestores, principalmente na sua valorização interna por parte da organização, mas, diante de cenários de insegurança e incerteza institucional, as competências esperadas para a gestão de conflitos, podem não ser colocadas em prática, devido ao receio da exposição e da incerteza quanto aos rumos futuros da própria carreira.
Assim, para ser um bom gestor de conflitos – e no caso da organização, para se ter bons gestores de conflitos –, é preciso, além do ferramental necessário para subsidiar esse processo da forma mais objetiva, assertiva e estratégica possível, identificando competências gerenciais e trazendo insumos para a captação e a retenção de líderes com as habilidades inerentes à gestão de conflitos e fomentando o desenvolvimento profissional, é preciso construir uma cultura forte na valorização do consenso e do diálogo, na transparência dos valores e dos objetivos organizacionais.
Por fim, a gestão de performance organizacional por competências, sob o viés da valorização da liderança como ferramenta essencial para a administração de conflitos internos, colabora para operacionalização integrada de ações nos processos de gestão de equipes e contribui positivamente para o bom desempenho de toda a organização.
BIBLIOGRAFIA – REFERÊNCIAS
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*Artigo escrito por Felipe Ayres, membro do grupo de trabalho RH Legal | ABRH-RJ. Profissional com mais de dez anos de experiência na elaboração e revisão de Projetos e Processos de Recursos Humanos e áreas correlatas, principalmente em Transformação Cultural, Gestão da Mudança, Gestão de Desempenho, Experiência do Colaborador, Administração de Pessoal, Diversidade, Remuneração e outros temas. Foi Gestor de Pessoas na EY (Multinacional de Consultoria) quando atuou em projetos nacionais e internacionais e, atualmente, é coordenador de Desenvolvimento Organizacional na Light (Concessão e Distribuição de Energia), Membro do Comitê Temático da ABRH-RJ, Mentor no projeto social LGBT Mentoring e Professor Executivo no MBA de Gestão de Pessoas do UCP/IPETEC - Instituto de Pesquisa, Educação e Tecnologia.